Público

«Space» é um disco alienígena. Deslocado das actuais correntes estéticas, insere-se no cruzamento imaginário da liberdade e diálogos do jazz com a experimentação electrónica, que Toral teve o engenho de criar quase do zero. É um álbum notável, onde é fácil o ouvinte se perder perante as imensas portas de entrada que o seu edifício cuidadosamente estruturado abre. A espaços, os dispositivos electrónicos digladiam-se como brinquedos fora de controlo, emitem sons que parecem lasers ou sinos, ou irrompem como se fossem instrumentos de sopro, baixos e percussão – referências futuristas cruzam-se com elementos aparentados do jazz. Há longos períodos de silêncio ou quase-silêncio, como que a envolver os múltiplos acontecimentos sonoros dispostos em múltiplas camadas e episódios (de tensão e distensão). As frases musicais derivam de decisões instantâneas, mas observam uma disciplina estruturante, seguindo a ideia que Sei Miguel imprime às suas formações: música “não composta, não improvisada, nem um compromisso entre as duas”. Curiosamente, é com o aparecimento surpreendente de Sei Miguel (trompete de bolso) e Fala Mariam (trombone alto) na terceira e última parte do disco, que se gera o momento mais belo de «Space» – os instrumentos tradicionais entram que nem uma luva na peça, assinalando o cordão umbilical da nova linguagem de Toral e sobrepondo o “futuro” (a hipotética evolução do jazz que redundaria em «Space») com o jazz presente.

Pedro Rios