Jazz e Arredores

Saiu na Staubgold o novo disco de Rafael Toral, músico com carreira e espaço próprios na música experimental de base electrónica feita por portugueses em Portugal, e no estrangeiro, com luminárias como John Zorn, Christian Fennesz, Thurston Moore, Phill Niblock, Keith Rowe, Alvin Lucier, Evan Parker, David Toop, Jim O’Rourke ou a MIMEO / Music In Movement Electronic Orchestra. É talvez do ponto de vista do jazz que este disco melhor se compreende, até por referência ao trabalho anterior de Rafael Toral. Como o músico assinala, em instâncias de fusão entre jazz e electrónica, o passo adiante na relação entre os dois sistemas seria o jazz em electrónica. Este é o ponto de partida conceptual para a recente jornada sonora de Rafael Toral, novo ciclo que ora se inicia. Encerrados que estão os anteriores, sem que encontre abismos ou evidências de corte radical com os discos que marcaram a última década – Wave Field (Moneyland, 1995), Aeriola Frequency (Perdition Plastics, 1998), e especialmente Violence of Discover and Calm of Acceptance (Touch, 2001), à cabeça de um importante ciclo ambiental – urge agora dar ordem às novas inquietações e preparar-lhes adequada tentativa de resposta, através da colocação de uma série de novas questões a que Rafael Toral chama Space Program, o seu breviário criativo para os tempos que se avizinham, de que Space constitui porventura a trave-mestra. Toral é um prático. Posta a guitarra entre parêntesis, ela que tão fielmente serviu o programa ambient, socorre-se das ferramentas que concebe e manufactura, e faz por progredir na exploração das propriedades físicas do som, matéria-prima de Space. A ligação artística a Sei Miguel é outra das chaves interpretativas da obra. É pelo jazz e seus sintagmas pós-Miles Davis, enquanto combinações de unidades da mesma e múltipla linguagem musical, que ambos vão. A participação do trompetista (e de Fala Mariam em trombone) no último dos três temas sublinha o concept de Toral e epitomiza esta ideia, mais que de convergência, de sobreposição no mesmo regime de dois sistemas de valores, som e silêncio, jazz e electrónica, que passam a ter um futuro e uma arqueologia comuns. Ponto a ponto, átomo a átomo, os sons são agregados através de espaços de silêncio, que resumem o momento anterior e anunciam o passo seguinte. Através do uso de sons glaucos provenientes de teclados etéreos, Toral gere cor e textura com habilidade, via modelação sistémica e criação de ambientes hipnótico-futuristas, cromaticamente sedutores. Os espaços deixados por preencher só acentuam o dramatismo da orquestração. Voam vistosos pássaros celestes por entre poeira de estática e cristais que vibram à sua passagem. Sugestões de beleza zen carregada de radiação eléctrica, liquefacção sonora, domínio do imponderável ou da gravidade reduzida. Fica-se siderado no espaço sideral.

Eduardo Chagas