Bodyspace

Na altura em que foi editado o disco Space, o primeiro capítulo de um ambicioso “Space Program”, um amigo definiu a música de Rafael Toral como “seca fixe”. A curiosa expressão, aparentemente contraditória, era facilmente descodificada: apesar da acção musical se aproximar da categoria minimal e exigir total envolvimento por parte do ouvinte, esse envolvimento acabaria por resultar altamente compensador. Desde 2006, data em que foi publicado o marcante Space (um dos discos portugueses desse ano, para muito boa gente), Rafael Toral vem desbravando um percurso focado na manipulação de sons electrónicos que se aproxima das estratégias formais do jazz. Talvez influenciado pela colaboração com o trompetista Sei Miguel, este capítulo da carreira de Toral denota uma particular precisão nos mecanismos de planeamento, numa música que nunca abandona um carácter de pesquisa. Longe vão os tempos das guitarras, das tentativas experimentais ou das abordagens explicitamente ambientais. O Toral 2004-(?) está completamente concentrado nas possibilidades dos aparelhos electrónicos, que exploram o som com objectivos definidos e com o auxílio de convidados criteriosamente seleccionados. Neste Space Elements Vol. I Toral tem a companhia de Rute Praça (violoncelo), César Burago (percussão), David Toop (flauta), Sei Miguel (pocket trumpet), Fala Mariam (trombone) e Margarida Garcia (baixo eléctrico). Mais do que um alinhamento de linguagens discursivas pela forma de diálogos, neste disco as colaborações servem para expor diferentes planos (maioritariamente concordantes) da visão proposta por Toral. Depois do inaugural Space e do individualista Space Solo 1 (2007), este primeiro “Elements” encontra um Rafael Toral com uma percepção musical mais aberta ao exterior, nunca deixando de se fixar nas suas metas particulares. Esta é uma electrónica que não rejeita a improvisação mas não é jazz, é livre e não é “free”, desafia os contextos. Segundo Toral, estão previstos três volumes de sério Solo e seis da série Space Elements. Estamos, portanto, ainda no início de um meticuloso processo de exploração, que se prevê longo. Nós por cá continuar interessados em descobrir cada um desses passos na descoberta de territórios daquilo que um dia alguém coloquialmente designou por “seca fixe”.

Nuno Catarino