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Já há algum tempo que Rafael Toral parecia divorciado da guitarra, mas se Space confirma o interesse que nos últimos anos o músico português tem revelado pela electrónica “vintage”, há algo de mais importante ainda que o demarca da sua anterior discografia: em vez das “soundscapes” tão densas quanto leves e dos “drones” necessitando de longas durações para se instalarem, o que temos agora é um grande ascetismo sonoro e uma mimetização do fraseado dos instrumentos de sopro (oiça-se o jogo na última peça, “Space III”, entre o instrumentário electrónico, o trompete de bolso de Sei Miguel e o trombone alto de Fala Mariam) em enquadramento idiomático de jazz. O que quer dizer que a mudança de rumo de Toral é efectiva e global, indo mesmo às raízes do seu entendimento da música, e que assim se abre um caminho que, surpresa das surpresas em tempo de alguma estagnação, tem muito de inédito. Já não se trata de jazz com electrónica, algo que se vem fazendo há décadas com melhores ou piores resultados, sobretudo estes últimos, mas de jazz electrónico, uma categoria bem diferente e de que não nos lembramos de algum praticante. A utilização do silêncio e a grande economia de materiais sonoros podem remeter-nos para as novas tendências da improvisação, mas, citando Sei Miguel, Toral diz que, se esta música não é composta, também “não é improvisada e não é um compromisso entre composição e improvisação”.

Rui Eduardo Paes